Prelúdio – Contraponto

Aurora Gabbiani é uma arquiteta premiada. Vive reclusa, avessa a cerimônias — como se o ruído do mundo fosse alto demais para seus traços.
Evita coquetéis, foge de inaugurações, recusa entrevistas. Prefere o silêncio dos projetos às conversas de ocasião.
Sua imaginação é vasta — e, por vezes, impiedosa. Constrói mundos tão intensos que acaba prisioneira deles. Escreve erguendo estruturas imaginárias, ampliando a entropia, criando vórtices. Drama é seu idioma nativo.

Davi Montello é filósofo celebrado, aplaudido em auditórios e, às vezes, visto no palco com uma guitarra. Carismático, seguro, transita tranquilo entre a profundidade das ideias e a leveza das cenas. Gosta da presença — e de ser visto. Dá aulas por paixão. Sabe que cada escolha cobra um preço — e aceita a conta.

Só se encontram num território que não pertence a nenhum dos dois: o das cartas.
Aurora escreve rompendo barreiras — um rio em fúria que arrasta verdades e ilusões no mesmo fluxo.
Davi responde como quem acalma as águas e devolve silêncio aos turbilhões.

Entre eles, um fio invisível — resistente, tenso — sustenta tudo o que não cabe no mundo concreto.
Nunca se encontram. A distância preserva e consome.

Este dueto começa e termina assim: com cartas.
Algumas foram enviadas. Outras, não.